quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Metade

Que a força do medo que tenho
não me empeça de ver o que anseio
que a morte de tudo que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
pois metade de mim é o que grito
e a outra metade é silêncio
Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza
que a mulher que amo seja para sempre amada
mesmo que distante
pois metade de mim é partida
a outra metade é saudade
Que as palavras que falo
não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a unica coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos
pois metade de mim é o que ouço
e a outra metade é o que calo
Que a minha vontade de ir embora
se transforme na calma e paz que mereço
que e tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que penso
a outra metade é um vulcão
Que o medo da solidão se afaste
e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso
que me lembro ter dado na infância
pois metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
e que o seu silêncio me fale cada vez mais
pois metade de mim é abrigo
a outra metade é cansaço
Que a arte me aponte uma resposta
mesmo que ela mesma não saiba
e que ninguém a tente complicar
pois é preciso simplicidade para fazê-la florescer
pois metade de mim é platéia
e a outra metade é canção
Que a minha loucura seja perdoada
pois metade de mim é amor
e a outra metade também
(Oswaldo Montenegro)


sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Amor


Você me faz feliz...
Que criatura mágica é você que pode fazer uma pessoa feliz, sem nem ao menos tocá-la?
Que feitiço é esse o seu?
Como você pode fazer com que alguém sinta esse mistério que é a felicidade, alguém que antes pensava que isso era uma quimera [e esse alguém adora essa palavra...] de mentes utópicas com corações ingênuos...
No entanto, depois do seu encanto, esse alguém senti essa felicidade todos os dias, desde o momento em que acorda e o primeiro pensamento que lhe vem a cabeça é você, até quando vai dormir e a última pessoa em que pensa lhe fez feliz o dia inteiro só por existir...
Este alguém agora não pára de flutuar... Exibe distraidamente um sorriso bobo, que de vez enquanto é acionado sem seu menor controle...
E ama... Ama de verdade... Ama com a intensidade que você ajudou a nascer dentro dela... E ela nunca amou antes...
Ela já leu poemas sobre isso, já ouviu vários depoimentos sobre tudo isso, ouviu músicas, assistiu a filmes... Imaginou que fosse maravilhoso, mas só agora entendi os poemas, pode dá seu depoimento, fazer sua própria música, imaginar-se num filme... Só agora pode senti-los percorrendo seu corpo de verdade... Agora sabe que tudo isso não é só maravilhoso, mas sublime [e essa palavra é a chave de tudo isso...]
E tudo isso a faz finalmente se sentir inteira, finalmente ela está completa...
E voltou a rezar para completar o ser mágico que a enfeitiçou.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Cabível?


"E eu dera o primeiro passo: Pois pelo menos eu já sabia que ser um humano é uma sensibilização, um orgasmo da natureza."
(A paixão segundo G.H, Clarice Lispector)


Minhas emoções não cabem em nada.

Elas transbordam.

São feras instintivas incontroláveis.

Escapam-me por onde menos espero.

Rasgam as roupas que vestem meu ser, deixam-me nua.

Arranham-me a carne e me deixam a sangrar.

O líquido vermelho desliza por minha pele nua, e com ele exponho o que o fez circular em minhas veias, a prova cabal de que sou humana, passional e imperfeita.

Então, fico a mercê dos algozes da razão e eles irão dissecá-las, analisar uma a uma enquanto sangro em um canto e despejo novas feras.

Não podemos culpá-las por me fazerem sangrar, pois a cada novo hematoma que elas me causam, elas derramam lágrimas e mais lágrimas de igual dor e sofrimento.

A razão não poderá jamais entende-las, minhas feras são minhas filhas, nasceram de minha alma, de minha essência, como as amo, nunca terei vergonha delas. Confesso, porém que já tentei controla-las, foi inútil, não posso mudar minha essência.

Às vezes elas me escapam pelos olhos, houve tempos em que saíram do meu próprio sangue, a cada nova experiência de vida mais feras nascem...

Não consigo segura-las, e quando penso que finalmente encontrei o ser que vai abraçá-las antes que elas me façam sangrar... Sinto o líquido vermelho escorrendo em minha pele nua novamente.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Película


Meu coração está envolto por uma fina película protetora
Película essa que o deixa exposto.
Ela não é resistente a pancadas, não evita feridas.
Sua única função é protegê-lo

Que tipo de proteção ela pode oferecê-lo?
De esconder-se, ela o protege...
Ela sabe que com as dores e feridas ele pode querer isso
Que ele pode tentar desaparecer...

Então ela o protege...

Faz com que onde quer que vá não possa ocultar-se
Que sempre seja visto, mesmo que cheio de hematomas.
Ela não o protege dos choques, dos baques, pois só existe...
Porém, o protege de si mesmo por existir.

Às vezes quando ele chora e lhe suplica que o deixe ir
Ela lhe recita poemas... Abraça-lhe forte...
Fala do amor, do qual ela é serva fiel
E canta até pô-lo nos braços de Morfeu...

Meu coração não sabe até quando vai precisar dela
Mas não quer perdê-la...
Talvez a mantenha ali durante toda sua existência
Protegendo-lhe de desistir.